Daniel Sampaio dirige um serviço com 50 médicos, numas instalações que nunca foram renovadas desde a construção do gigantesco hospital. Aos 68 anos, sempre atento ao que dizem os mais novos.
Há duas tardes por semana no quotidiano deste psiquiatra que são sagradas: uma para estar com os netos, outra reservada, pessoal, só para ele. Neste início de tarde de quinta-feira, abre uma exceção e adia por uma hora o início desse tempo de privacidade. O tema interessa-o, mesmo que logo ao telefone tenha dado uma resposta seca: não, uma criança de 10 anos não tem sexualidade definida. Durante a conversa estará sempre focado e certeiro nas respostas, que vêm sem considerações inúteis nem devaneios. Ele sabe do que está a falar, estes são em grande medida os temas que escolheu para desenvolver numa profissão que extravasou do consultório para o espaço público porque, como repete com frequência, "é importante dizer que". Não fica pelas respostas diretas, acrescenta sempre: se uma criança de 10 anos se afirma homossexual é porque está desconfortável no seu corpo, se o escreve no Facebook é porque não tem com quem falar; se um jovem bebe descontroladamente é porque a ansiedade de estar na rua e de se aproximar da sexualidade pede um tranquilizante.
De repente, a sala do diretor do Serviço de Psiquiatria onde a entrevista decorre é sobressaltada por um miado nítido. O fotógrafo e eu olhamos em volta surpreendidos, instintivamente à procura do animal. Daniel Sampaio leva a mão ao bolso e cala o toque do telemóvel. Gosta muito de gatos, e isso até consta da biografia resumidíssima que tem no site pessoal. Também lá está que é do Sporting, como aliás é público e notório, pois tal como em tudo na vida ele não se limita a ser espectador, envolve-se ativamente. Diz quem sabe que esta serenidade que o caracteriza na vida profissional e pública desaparece quando vê futebol.
A pouco mais de um ano de terminar a vida académica - dará a última lição em outubro de 2016 - Daniel Sampaio é diretor do Serviço de Psiquiatria no hospital universitário de Santa Maria, em Lisboa, onde está desde que entrou para Medicina.
dn