Espanha debate monarquia com maioridade de herdeira de Felipe VI

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A mudança na Constituição para garantir a igualdade de género no acesso à coroa "terá de ser considerada antes de a princesa Leonor casar", defende o autor do livro "Felipe VI, um rei na adversidade" (não publicado em Portugal), José Antonio Zarzalejos.


A questão é consensual e simples. Já ninguém hoje em Espanha aceitaria a possibilidade de Leonor de Borbón vir a ter uma filha que não chegaria a rainha por ter um irmão mais novo, como aconteceu com o seu pai, Felipe VI, atual chefe de Estado espanhol.

No entanto, o processo para mudar a Constituição neste ponto é complexo porque obriga a um acordo de dois terços nas atuais Cortes (parlamento com duas câmaras, Congresso de Deputados e Senado), a uma dissolução em seguida do próprio parlamento, a eleições gerais, a novo acordo de dois terços nas novas Cortes e a um referendo popular.

Adivinha-se, assim, um processo de pelo menos seis meses, que, explica José Antonio Zarzalejos, desembocará necessariamente num debate sobre a própria monarquia.

"Como tem de ser votado em referendo, antes ou depois, Espanha enfrenta um debate monarquia/república", diz este antigo diretor de jornais espanhóis como o ABC, jornalista multipremiado, autor de diversos livros sobre a história recente de Espanha e considerado um dos maiores conhecedores da família real espanhola.

"É um período de tempo muito longo, com um debate muito longo, que se transformará, no fundo, não num debate sobre a alteração do Título II [da Constituição], mas num debate sobre 'monarquia sim, monarquia não'", acrescenta José Antonio Zarzalejos, que falou sobre a situação atual da coroa espanhola num encontro recente com jornalistas estrangeiros acreditados em Espanha.

No entanto, para o autor, o debate não significará o fim da monarquia e Leonor será rainha de Espanha com "altíssimo grau de probabilidade".

"O tema republicano em Espanha é minoritário" e "não há republicanos suficientes", garante, explicando que a direita espanhola não é republicana e os socialistas também não colocam dúvidas em relação à monarquia parlamentar.

Assim, "enquanto os dois grandes partidos" espanhóis, Partido Popular e Partido Socialista (PP e PSOE), não questionarem a monarquia, não há "no horizonte" um processo para alterar o regime, diz Zarzalejos, que insiste em que é necessário compreender a origem da atual monarquia e atender a "razões históricas".

"A monarquia que temos neste momento não é uma restauração da monarquia do século passado, é uma instauração de uma monarquia constitucional e parlamentar cuja legitimidade está na Constituição, não está na história, na tradição, está na Constituição ratificada pelos espanhóis em 1978", afirma.

José Antonio Zarzalejos diz que "efetivamente", em Espanha "quase nunca houve entusiasmo pela monarquia", mesmo em séculos passados, mas ainda assim só houve dois períodos republicanos na história do país, além da ditadura do general Francisco Franco entre 1939 e 1975.

A primeira república espanhola durou um ano e meio, entre 1873 e 1874, e ficou marcada por uma sucessão de quatro presidentes e a incapacidade de ser elaborada uma Constituição.

A segunda república, entre 1931 e 1939, foi atravessada pela Guerra Civil espanhola e desembocou na ditadura franquista.

São duas experiências que se juntam a outras "razões históricas" que explicam como a República, dificilmente, fará parte do futuro mais ou menos próximo de Espanha, defende Zarzalejos: "A monarquia em Espanha é idiossincrática, ou seja, é um traço histórico permanente em Espanha, o debate sobre a monarquia e ter sempre reis e não presidentes da República".

Atualmente, a relação da sociedade espanhola "é de muita deceção com Juan Carlos I", o rei emérito que abdicou em 2014, envolvido em suspeitas de corrupção e polémicas nos seus relacionamentos privados, mas "uma progressiva adesão à figura de Felipe VI", a quem falta, no entanto, "ainda percorrer outro troço, que é prestigiar a coroa como instituição", explica.

Zarzalejos invoca sondagens feitas com regularidade que não são públicas que dão conta de "uma boa reputação" de Felipe VI, embora a monarquia, como instituição, tenha menor aceitação e só consiga uma "aprovação à justa", depois do "choque emocional" em relação a Juan Carlos I, o "rei fundador da democracia" que acabou por cair do "pedestal" e arrastar consigo o prestígio da coroa.

No livro que escreveu, acrescenta que a situação da coroa não pode ser também separado da "nova era" social e política que vive Espanha, a par de outros países europeus e ocidentais, como o aparecimento de novos partidos - que acabaram com o protagonismo quase exclusivo das duas grandes forças políticas de centro esquerda e centro direita que marcaram o nascimento e a consolidação da democracia - ou de movimentos extremistas.

Leonor de Borbón completa 18 anos em 31 de outubro e com a maioridade terá de ir às Cortes espanholas jurar a Constituição e fidelidade ao Rei.

A dúvida mais imediata é se o fará nesse mesmo dia ou se terá de esperar alguns meses porque é provável que as Cortes estejam dissolvidas nessa data, por causa do calendário eleitoral de Espanha, que prevê eleições gerais no final deste ano, não havendo ainda uma data anunciada, o que pode estar relacionado, precisamente, com a questão do juramento da herdeira da chefia do Estado.

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