A matança em série começou depois da queda da cidade. As Nações Unidas e o batalhão de soldados holandeses assistiram aos crimes.
Eram quase os últimos passos. Chegando a Nezuk, estariam em território livre, controlado pelos muçulmanos. Daí continuariam em segurança até à cidade de Tuzla e teriam sobrevivido a cinco dias e 100 quilómetros de caminhada pela floresta. Teriam escapado a emboscadas montadas pelos sérvios, com minas, granadas e fogo de artilharia. Teriam enganado a fome, a sede e o cansaço. Teriam sido capazes de desviar-se da morte quando ela se adivinhava mais certeira.
Faltava muito pouco, mas, na zona de Kri?evic, a 16 de julho de 1995, quase ao nascer do Sol, um estrondo voltou a abanar a terra. "Procurei o meu irmão e encontrei-o com as entranhas todas cá fora. Toquei-lhe no estômago com a mão", recorda Ibro Hasanovic (nome fictício). Quase nada havia a fazer, a não ser empurrar as vísceras para dentro e improvisar um curativo para o ventre aberto. Era quase certo que Hasib não sobreviveria, mas Ibro decidiu levá-lo às costas. "Estava consciente e a falar comigo. Queria água, mas disseram-me para não lhe dar. Se bebesse morreria por causa da hemorragia interna".
Durante nove horas e meia, Ibro carregou o irmão moribundo, até que Hasib lhe implorou que parasse e que o deitasse no chão. "Pediu-me para pôr a cabeça dele no meu colo e disse-me que tinha muita pena de não voltar a ver o meu filho. Depois morreu". O último pedaço de vida fugiu-lhe do corpo quando o território livre estava apenas a cinco, no máximo seis, quilómetros de distância. Hasib tinha 20 anos. Hasanovic interrompe o relato. Tem o olhar cheio de lágrimas. As palavras ficam-lhe presas na garganta. Ou talvez mais abaixo, no estômago. O luto ainda não se foi embora.
dn