"Os russos acham que nos vão impedir de viver?"

avense

Youtuber
Staff member
Fundador
Administrador
Com luz ou sem luz, há meses que as ruas de Kharkiv estão praticamente desertas. Na noite de quarta-feira a eletricidade voltou a falhar, cenário que já não é novidade desde que a Federação Russa escolheu as centrais produtoras de energia e outras infraestruturas críticas como alvos naquela que é a maior cidade do país depois de Kiev.


A escuridão cobre toda a cidade e só é interrompida pelos clarões dos faróis dos automóveis, que são poucos.

Mas há pessoas na rua, jovens em particular. A iluminar o caminho com as lanternas dos smartphones, encaminham-se para um bar no número 22 da Rua Sumska.

Este bar é o lugar de eleição para a juventude de Kharkiv. É um dos poucos locais que está aberto de todo e até tarde.

"É apenas mais um dia", diz um dos clientes, que está a acabar um cigarro antes de entrar. Apressa-se porque estão -9 ºC lá fora. Lá dentro, hoje não há aquecimento e também não há gerador.

"Não comprámos um gerador porque, normalmente, a luz não falha nesta zona", explica à Lusa Maria, uma das funcionárias, enquanto atarefada recolhe os pedidos.

A cozinha hoje está fechada, mas ainda há cerveja artesanal e "foi para isso que as pessoas cá vieram".

"Os russos acham que nos vão impedir de viver?", ironiza Maria, que, assim como os colegas, está de calças de ganga e uma sweatshirt preta com a frase "Drink more to see if I look better" ("Bebe mais para ver se eu pareço mais bonita") estampada.

Há velas ao balcão, em algumas mesas, mas para utilizar as casas de banho ou ir para a sala mais reservada só mesmo empunhando com a luz do telemóvel, para encontrar o caminho.

Há uns aperitivos na cozinha. Ajudam a acompanhar com a cerveja, ainda que não substituam as refeições. Mesmo à porta está o maior grupo, seis homens, que conversam alto como se estivessem a desfrutar de um jantar normal, não fosse Kharkiv uma cidade que ainda hoje é fustigada por mísseis e que está na mira do Kremlin -- conseguir Kharkiv seria uma grande vitória para Moscovo na região do Donetsk por ser o principal polo a partir do qual é possível seguir para outras grandes cidades, como Zaporíjia.

Junto à janela, um casal aproveita um jantar à luz de velas - não por opção ou romantismo, mas por ser a única maneira de se verem. Lá fora não há luzes dos candeeiros e mesmo a lua está encoberta pelas nuvens.

"É como se as pessoas estivessem a ter um jantar com amigos chegados, de maior intimidade", comenta Maria, enquanto serve mais uma cerveja para a mesa mais cheia.

Depois de umas quantas cervejas e de colocada em dia a conversa o convício acaba e está na altura de enfrentar o frio, de telemóvel na mão para indicar o caminho. Pelo menos hoje não há sirenes a soar, por isso, os jovens podem ir ainda mais descontraídos para casa.

"Já estou habituada, é um dia de trabalho como outro qualquer, é como se estivesse a trabalhar com luz e, pelo menos, o multibanco funciona", refere Maria.

Durante o dia, é possível ver aquilo que a escuridão oculta todas as noites. É uma cidade de contrastes entre os edifícios cuja arquitetura é resquício da União Soviética e os que acabaram destruídos pela artilharia russa.

À semelhança do que aconteceu noutras cidades, as estátuas estão protegidas para sobreviverem a bombardeamentos e os estilhaços que estes provocam.

Kharkiv foi um dos principais palcos da invasão que começou há um ano. Entre fevereiro e maio do ano passado, as Forças Armadas da Ucrânia e de Moscovo envolveram-se em várias batalhas em redor da cidade.

Leia Também:

 
Voltar
Topo