Professores: Acordo negociado em segredo

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O líder da UGT negociou em segredo com o ministro da Educação a dispensa da prova de avaliação de contratados dos docentes com cinco ou mais anos de experiência, em troca da desmarcação da greve convocada pela Federação Nacional de Educação (FNE).

A decisão de agarrar no telefone e ligar ao ministro partiu de Carlos Silva. “Na semana passada, a Lucinda Dâmaso e o João Dias da Silva (da FNE) reuniram comigo, na sede da UGT, e perguntaram-me se havia condições para baixar a crispação na Educação, pondo fim a uma posição radicalizada”. Carlos Silva, que descreve o seu papel no processo como “um facilitador ao mais alto nível”, não hesitou. “Respondi, 'concerteza, sou o secretário-geral da UGT e em vez dos sindicatos faço eu essa tentativa'“.

Crato consultou Passos

A reunião com Nuno Crato aconteceu na quarta-feira, quase em simultâneo com a concentração de docentes em protesto contra a prova, no Campo Pequeno, em Lisboa. “Entrei na reunião às 16h, com a Lucinda Dâmaso e o Dias da Silva, e saí directo para a concentração”, recorda ao SOL. Ao pedido da UGT para “rever a questão dos exames, por estar em causa a dignidade dos professores”, o ministro da Educação reagiu com cautela: Crato respondeu que a margem era estreita porque a prova consta do programa de Governo do PSD. E, com o exame marcado já para dia 18, seria difícil parar o processo. “A UGT fez finca-pé e perguntou que hipótese havia de reduzir o universo de professores mais antigos sujeito à prova”, diz Carlos Silva.

O líder da UGT telefonaria depois ao ministro, na sexta-feira, com um trunfo na manga: “Foi então conhecida a recomendação do Provedor de Justiça, que vinha ao encontro das nossas posições”, conta Carlos Silva que reforçou essa ideia junto de Crato. “Estava a porta aberta, assim, para excluir do exame os professores mais antigos”. Implicava um recuo do Governo, mas tendo em troca o fim da greve. Faltava só o acordo de Passos Coelho: “O ministro ficou de falar com o primeiro-ministro”.

No fim-de-semana, a negociação prosseguiu por telefone. No sábado, Crato disse que “havia alguma abertura”. No domingo, Carlos Silva, em Bruxelas, teve a confirmação do ministro de que havia entendimento.

O acordo não chegou, porém, sem uma negociação. A UGT começou por pedir a exclusão dos professores com três anos completos de serviço e foi baixando a fasquia. “Não havia condições de ir além dos cinco anos”, explica Carlos Silva. Na segunda-feira, no Palácio das Laranjeiras, o acordo fez-se, numa reunião pública alargada.

Carlos Silva, fazendo o balanço do processo, vê um copo meio cheio: “Nós queríamos que não houvesse nenhuma prova, mas perante a intransigência do Governo, e um primeiro-ministro que é obstinado e pouco dado a ceder, conseguiu-se algum ganho e evitou-se um braço-de-ferro que podia não ter resultado nenhum. Foi o resultado possível”.

O acordo permitiu isentar da prova cerca de 28 mil docentes, dos mais de 37 mil que já estavam inscritos.

Em reposta aos críticos do processo e aos ataques da CGTP, Carlos Silva diz que “a UGT não pede licença para reunir com ninguém”. E salienta que não “foi bem um processo negocial, mas uma conversa sem formalismos, em que se chegou a uma plataforma de entendimento para pôr fim a uma guerra que estava a minar relações pessoais” no sector.

Três queixas na PGR por desrespeito da negociação

Mário Nogueira, líder da Federação Nacional de Professores (Fenprof), vê as coisas de outra forma. E já entregou uma queixa na Procuradoria-Geral da República (PGR), denunciando a violação da lei da negociação sindical. “A prova é matéria de negociação obrigatória. O ministro não pode reunir com sindicatos e chegar a acordo sem reabrir a negociação” - diz, acusando Nuno Crato de ser o ministro que mais desrespeitou até hoje as regras da negociação sindical. “Para este ministro, não há lei”.

A diferença entre o que fica acordado em acta negocial e o que acaba em letra de lei já motivou, aliás, três queixas da Fenprof ao Ministério Público.

A primeira aconteceu após a publicação do despacho de organização do ano lectivo. “Ficou acordado que todas as actividades com alunos, como aulas de substituição, apoio ao estudo ou projectos, seriam componente lectiva para haver um mínimo de docentes com horário zero”, recorda Mário Nogueira. “Qual não foi o nosso espanto quando vimos que o despacho 7-A não dizia nada disso”.

A queixa seguiu para a PGR, foi deferida e tanto o Ministério da Educação e Ciência (MEC) como a Fenprof já se pronunciaram: “A resposta do MEC diz muito: a certa altura, explica-se que o acordo foi uma forma de conseguir parar a forte contestação dos professores”.

Na sexta-feira passada, a publicação da lei que regula a mobilidade especial dos docentes motivou nova queixa à PGR. Enquanto a acta negocial estabelecia que nenhum professor poderia ser transferido fora de concurso para uma escola a mais de 60 km da sua residência sem o seu acordo, a lei deixa cair esse limite. A regra passa a ser “o interesse público”, que pode levar a transferência para qualquer escola ou até Quadro de Zona Pedagógica.

Mário Nogueira também não gostou de ver que a lei 80/2013 define que a requalificação se aplica no ano lectivo de 2014/2015 em vez de Fevereiro de 2015, como ficou acordado. “Isso pode fazer toda a diferença porque, em Setembro, há milhares de professores com horário zero que acabam por ser colocados até Janeiro”.

João Dias da Silva, da FNE, não comenta as queixas feitas à PGR e diz apenas não ter motivos para acreditar que o MEC não respeitará o que foi acordado. “Em relação ao limite, a lei geral fala em 60 km e é isso que deve ser respeitado”, aponta. Na sua opinião, não há nada que indique, para já, que a mobilidade não se aplique só em Fevereiro de 2015.

Em relação à prova de avaliação dos contratados, o líder da FNE diz que foi encontrado “o acordo possível” e que a luta passará por eliminá-la do Estatuto da Carreira Docente, quando for revista a legislação da formação e habilitação de professores.

Sol
 
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