Lordelo
Avensat
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, foi internado esta quarta-feira, dia 14 de julho, no Hospital das Forças Armadas, em Brasília, na sequência de uma crise de soluços, que persistia há mais de uma semana e lhe terá causado dores abdominais severas.
Posteriormente, Bolsonaro foi transferido para o hospital Vila Nova Star em São Paulo, num avião da Força Aérea Brasileira (FAB), onde foi submetido a uma cirurgia de emergência, após lhe ter sido diagnosticada uma obstrução intestinal.
Entretanto, e de acordo com o mais recente boletim médico divulgado, o presidente brasileiro apresenta uma evolução clínica satisfatória e já lhe terá sido retirada a sonda nasogástrica.
Em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, o médico António Chieira, Especialista em Medicina Geral e Familiar no Hospital CUF Coimbra, explicou o que são afinal os soluços, o que os provoca e possíveis tratamentos para a condição.
O que pode causar uma crise persistente de soluços?
Os soluços iniciam-se por súbitas, involuntárias e repetidas contrações (espasmos) do diafragma, que é um músculo extenso e de pequena espessura que separa o tórax do abdómen, cuja contração leva à inspiração. Esses espasmos diafragmáticos originam inspirações súbitas, forçadas, não intencionais e indesejadas, que desencadeiam por sua vez reflexos involuntários de fecho brusco das cordas vocais como mecanismo de proteção pulmonar, interrompendo subitamente a entrada de ar, ocasionando os soluços, cujo som é parecido com o de um estalo. Muitas vezes esta situação leva à ingestão de ar com distensão gástrica, conduzindo à própria persistência do soluço por compressão do diafragma.
Múltiplas causas locais do próprio diafragma ou nas suas imediações podem ocasionar irritação local dos nervos diafragmáticos causando o espasmo muscular, podendo também ser originados, ainda que raramente, nas partes do cérebro que controlam os músculos da respiração, ou no trajeto dos nervos que enervam o diafragma como o frénico e o vago.
Se se prolongam por mais de 48 horas são designados de soluços persistentes.
É possível que perdure por vários dias? Quando é causa de preocupação?
A principal causa de preocupação dos soluços é a sua recidiva frequente ou a sua persistência prolongada. Mesmo em pessoas saudáveis, os soluços podem persistir até aproximadamente dois dias ou mesmo bastante mais.
Os soluços caracterizam-se, assim, segundo a sua duração:
Os soluços episódicos ou breves, com duração de alguns minutos, são um problema muito comum, autolimitado e sem importância clínica. Nestes episódios os soluços iniciam-se comumente em situações de convívio social, eventualmente desencadeados por causas que “irritam” temporariamente o diafragma, como o rir prolongadamente, falar mais demoradamente, comer rapidamente e em abundância com distensão acelerada do estômago, ou beber em demasia, particularmente álcool ou bebidas gaseificadas. Nalgumas ocasiões os alimentos ou líquidos quentes ou irritantes como os picantes, são a causa dessa irritação diafragmática. A ansiedade, o stress emocional, a privação de sono, o fumo, a febre, bem como a ingestão de ar podem também ser fatores facilitadores ou desencadeantes. É mais provável ocorrer soluços quando as concentrações de dióxido de carbono no sangue diminuem, por facilitarem os espasmos musculares, o que pode acontecer quando as pessoas hiperventilam (respiração rápida e não necessária).
A maioria destas crises desaparecem espontaneamente ou após algumas manobras, como beber água gelada ou suspender voluntariamente a respiração, em inspiração profunda, não sendo necessária uma avaliação médica a não ser que se tornem frequentemente recorrentes ou persistentes.
É possível prevenir os soluços episódicos evitando as situações desencadeantes atrás descritas. Descobrir qual é o gatilho mais comum para cada pessoa e eliminá-lo, vai evitar crises ou atenuá-las de forma sustentada. Às vezes, pequenas mudanças nos hábitos, como comer mais calmamente, evitar determinados alimentos ou bebidas ou diminuir o stress, são suficientes para diminuir a frequência com que surgem este tipo de soluços, ou mesmo eliminá-los.
Num reduzidíssimo número de casos os soluços episódicos podem persistir, podendo prolongar-se por várias horas.
Se se prolongam por mais de 48 horas, o que é raro, são designados de soluços persistentes tornando-se muito incomodativos e angustiantes para os doentes, e um problema clínico, frequentemente de difícil controlo.
Se os soluços persistirem para além de um mês, o que é raríssimo, designam-se de soluços incoercíveis ou intratáveis, e são profundamente debilitantes.
Quer o soluço persistente quer o incoercível são habitualmente causados por doenças focais ou generalizadas, e implicam ser sempre avaliados exaustivamente por um médico.
Trata-se de uma condição grave?
A gravidade de cada situação depende da doença causal subjacente que deve ser sempre investigada e tratada, condição para a supressão permanente dos mesmos. Para além da doença causal mais ou menos sintomática, a persistência dos soluços causa, por si só, um profundo transtorno ao doente.
As situações clínicas que mais frequentes que podem desencadear soluços persistentes ou incoercíveis estão relacionadas com:
- Irritação dos nervos do diafragma (vago e frénico) por: Distensão do estômago ou do esófago; Úlceras do estômago ou duodeno; Refluxo gastroesofágico; Obstrução intestinal; Tumores ou metástases na região do pescoço, tórax ou abdómen; Infeções intra-abdominais; Pancreatite; Colecistite; Faringite ou amigdalite; Irritações do tímpano ou objetos estranhos no canal auditivo externo; Pneumonia; Pericardite (inflamação do pericárdio, membrana que envolve o coração).
- Doenças do sistema nervoso central, como: Traumatismos cranianos; AVC; Esclerose múltipla; Meningite; Tumores cerebrais.
- Alterações metabólicas: Diabetes mal controlados; Insuficiência renal crônica; Alterações nos níveis sanguíneos de potássio, sódio ou cálcio; Alcoolismo crónico.
- Toma de alguns medicamentos (surge em muito pequena percentagem de casos): Alguns anestésicos; Ansiolíticos da classe das benzodiazepinas; Corticoides; Levodopa; Nicotina; Alfametildopa; alguns medicamentos de Quimioterapia.
Qual é a cura para esta condição?
Como já atrás dito, os soluços episódicos ou breves são autolimitados e frequentemente cedem às medidas preventivas enunciadas.
Os soluços persistentes ou os intratáveis devem ser investigados na procura da sua origem causal, muitas vezes em internamento, tratando-a o mais precocemente possível. Há vários medicamentos que podem ajudar no controlo destes soluços, a ser sempre prescritos e orientados pelo médico.
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