Gregory tem 35 anos, é natural da capital ucraniana, Kyiv, e trabalhava há muitos anos como fotógrafo para uma agência de publicidade: "Fazia de tudo um pouco, desde campanhas publicitárias normais a 'spots' com políticos", diz à Lusa.
Mas em 24 de fevereiro de 2022 o som da artilharia russa ecoou pela cidade às primeiras horas do dia. Os clarões iluminaram o céu de madrugada e continuaram quando o sol já estava bem alto e colocava a descoberto a destruição e a morte provocadas pelos mísseis. O pânico e o desespero, a sensação de que Kyiv poderia cair a qualquer momento, fez com que milhares de pessoas abandonassem imediatamente a cidade.
Gregory ficou, mas pegar numa arma e juntar-se às Forças Armadas não lhe parecia ser o caminho.
"Um dia estava a caminhar na rua e fui abordado por um homem que me perguntou se queria ajudar a distribuir comida em Bucha, que na altura já estava ocupada pelos russos. Disse que sim e ele imediatamente fez de mim voluntário, não pediu nada, não quis saber nada", conta, enquanto conduz por uma estrada que liga Kramatorsk a Chasiv Yar, no Donetsk, já perto da fronteira com Lugansk.
Mas levar comida e mantimentos às pessoas que estavam a viver sob ocupação não era tão fácil quanto simplesmente conduzir até Bucha e fazer a entrega: "Tínhamos de levar uma carrinha velha, não podia ser uma nova ou os russos quereriam logo ficar com ela. Também tínhamos de levar sempre cerveja e cigarros, eram a moeda nestas circunstâncias. As portas da carrinha iam quase forradas a cigarros e cerveja para eles nos deixarem passar. Um dia, cheguei a levar o meu próprio carro com três porcos de um talho nos bancos traseiros."
Entrar em Bucha e atravessar uma cidade enquanto era observado pelos militares russos "era pesado", mas nunca houve problemas. Entrava e saía de Bucha. Lá ficavam as pessoas, algumas das quais, durante aquele mês de ocupação, perderam a vida em execuções que hoje estão a ser investigadas como possíveis crimes de guerra.
Gregory era fotógrafo, mas não fazia a vida apenas com uma máquina fotográfica na mão. Aficionado por tecnologia, era já perito em pilotar 'drones' para sessões fotográficas. Quando a guerra começou, decidiu entregá-los todos às Forças Armadas, para que pudessem utilizar os 'drones' civis para missões de vigilância. Toda a ajuda no início era pouca para dar um impulso aos militares que tentavam expulsar as tropas russas de diversas regiões do país.
"Eu e a minha mulher também enviámos muito dinheiro, eles estão a defender o nosso país", advoga, enquanto conduz, sempre com um copo de papel com um cappuccino lá dentro.
Mas chegou o dia em que as Forças Armadas pediram um pouco mais.
"Fui fazer a recruta como voluntário e como tinha conhecimento em pilotar 'drones' pediram-me também que essa fosse a minha função, além de ensinar outros a pilotá---los", conta.
Feita a recruta, seguiu para o Donbass, cujas estradas que hoje percorre já lhe são familiares. Fez todas, de um lado para o outro, "às vezes em carrinhas a transportar armamento e munições" para diferentes posições das tropas ucranianas.
"Um dia foi necessário ir para a linha da frente no Donetsk. Estava nervoso, eu não gosto disto, nunca me imaginei a pegar numa arma, mas fui, para a metralhadora que está em cima de um M2 Bradley", recorda.
Uma explosão acabou com a campanha de Gregory mais cedo. Sobreviveu, mas os estilhaços danificaram-lhe a audição. Também fez uma contusão e ficou com um derrame.
Deixou a linha da frente, foi para um hospital, cicatrizou as feridas físicas, regressou a Kyiv com uma medalha de honra pelos serviços prestados. Mas agora precisava de dinheiro.
"Eu não odeio os russos, odeio o que estão a fazer. E muitos não sabem porque o fazem. A minha unidade capturou uma vez um oficial e vários militares. Podíamos tê-los matado logo ali, mas ninguém o quis fazer. Eu fiz o curativo ao comandante deles, era um homem importante. Foi uma boa conquista para a nossa unidade, podíamos utilizá-lo para trocar por 25 dos nossos, isso era bom, 25 ucranianos podiam voltar a casa", explica.
"Um dia sentei-me em frente a um dos que tínhamos capturado e perguntei-lhe: 'Porque é que fazes isto? Tu odeias-me? Odeias-nos? Odeias os ucranianos?' - Se ele me tivesse dito que nos odiava, era mais fácil perceber, uma pessoa que odeia já nos diz tudo, mas ele balbuciou e só entendi que não era ódio. Porque é que continuam?"
"O pior disto tudo não é a destruição. São as vidas perdidas. Não só as dos nossos militares, mas também as pessoas que estavam só a viver a sua vida. E as dos russos também. Falamos deles como o inimigo, como 'os russos', mas são pessoas como eu, como tu. São pessoas, muitas delas entram num país onde nunca entraram para matar pessoas e nem sabem porque o fazem. São vidas como a minha também, não quero pensar na hipótese de ter de matar", afirma.
O comandante do seu pelotão ainda lhe liga por vezes, mas até agora não teve de voltar.
À saída da região de Donetsk, Gregory vai olhando pela janela e pelo retrovisor, e acompanha com o olhar as colunas que transportam milhares de militares e veículos pesados para Bakhmut, o ponto mais crítico, e Kramatorsk, Chasiv Yar e Sloviansk, onde se vai concentrar a defesa ucraniana se Bakhmut cair.
"Quero que o meu país vença e sei que ele vai vencer, mas também sei o que isso vai custar: imensas vidas, de todos os lados. Ninguém ganha numa guerra", conclui.
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Mas em 24 de fevereiro de 2022 o som da artilharia russa ecoou pela cidade às primeiras horas do dia. Os clarões iluminaram o céu de madrugada e continuaram quando o sol já estava bem alto e colocava a descoberto a destruição e a morte provocadas pelos mísseis. O pânico e o desespero, a sensação de que Kyiv poderia cair a qualquer momento, fez com que milhares de pessoas abandonassem imediatamente a cidade.
Gregory ficou, mas pegar numa arma e juntar-se às Forças Armadas não lhe parecia ser o caminho.
"Um dia estava a caminhar na rua e fui abordado por um homem que me perguntou se queria ajudar a distribuir comida em Bucha, que na altura já estava ocupada pelos russos. Disse que sim e ele imediatamente fez de mim voluntário, não pediu nada, não quis saber nada", conta, enquanto conduz por uma estrada que liga Kramatorsk a Chasiv Yar, no Donetsk, já perto da fronteira com Lugansk.
Mas levar comida e mantimentos às pessoas que estavam a viver sob ocupação não era tão fácil quanto simplesmente conduzir até Bucha e fazer a entrega: "Tínhamos de levar uma carrinha velha, não podia ser uma nova ou os russos quereriam logo ficar com ela. Também tínhamos de levar sempre cerveja e cigarros, eram a moeda nestas circunstâncias. As portas da carrinha iam quase forradas a cigarros e cerveja para eles nos deixarem passar. Um dia, cheguei a levar o meu próprio carro com três porcos de um talho nos bancos traseiros."
Entrar em Bucha e atravessar uma cidade enquanto era observado pelos militares russos "era pesado", mas nunca houve problemas. Entrava e saía de Bucha. Lá ficavam as pessoas, algumas das quais, durante aquele mês de ocupação, perderam a vida em execuções que hoje estão a ser investigadas como possíveis crimes de guerra.
Gregory era fotógrafo, mas não fazia a vida apenas com uma máquina fotográfica na mão. Aficionado por tecnologia, era já perito em pilotar 'drones' para sessões fotográficas. Quando a guerra começou, decidiu entregá-los todos às Forças Armadas, para que pudessem utilizar os 'drones' civis para missões de vigilância. Toda a ajuda no início era pouca para dar um impulso aos militares que tentavam expulsar as tropas russas de diversas regiões do país.
"Eu e a minha mulher também enviámos muito dinheiro, eles estão a defender o nosso país", advoga, enquanto conduz, sempre com um copo de papel com um cappuccino lá dentro.
Mas chegou o dia em que as Forças Armadas pediram um pouco mais.
"Fui fazer a recruta como voluntário e como tinha conhecimento em pilotar 'drones' pediram-me também que essa fosse a minha função, além de ensinar outros a pilotá---los", conta.
Feita a recruta, seguiu para o Donbass, cujas estradas que hoje percorre já lhe são familiares. Fez todas, de um lado para o outro, "às vezes em carrinhas a transportar armamento e munições" para diferentes posições das tropas ucranianas.
"Um dia foi necessário ir para a linha da frente no Donetsk. Estava nervoso, eu não gosto disto, nunca me imaginei a pegar numa arma, mas fui, para a metralhadora que está em cima de um M2 Bradley", recorda.
Uma explosão acabou com a campanha de Gregory mais cedo. Sobreviveu, mas os estilhaços danificaram-lhe a audição. Também fez uma contusão e ficou com um derrame.
Deixou a linha da frente, foi para um hospital, cicatrizou as feridas físicas, regressou a Kyiv com uma medalha de honra pelos serviços prestados. Mas agora precisava de dinheiro.
"Eu não odeio os russos, odeio o que estão a fazer. E muitos não sabem porque o fazem. A minha unidade capturou uma vez um oficial e vários militares. Podíamos tê-los matado logo ali, mas ninguém o quis fazer. Eu fiz o curativo ao comandante deles, era um homem importante. Foi uma boa conquista para a nossa unidade, podíamos utilizá-lo para trocar por 25 dos nossos, isso era bom, 25 ucranianos podiam voltar a casa", explica.
"Um dia sentei-me em frente a um dos que tínhamos capturado e perguntei-lhe: 'Porque é que fazes isto? Tu odeias-me? Odeias-nos? Odeias os ucranianos?' - Se ele me tivesse dito que nos odiava, era mais fácil perceber, uma pessoa que odeia já nos diz tudo, mas ele balbuciou e só entendi que não era ódio. Porque é que continuam?"
"O pior disto tudo não é a destruição. São as vidas perdidas. Não só as dos nossos militares, mas também as pessoas que estavam só a viver a sua vida. E as dos russos também. Falamos deles como o inimigo, como 'os russos', mas são pessoas como eu, como tu. São pessoas, muitas delas entram num país onde nunca entraram para matar pessoas e nem sabem porque o fazem. São vidas como a minha também, não quero pensar na hipótese de ter de matar", afirma.
O comandante do seu pelotão ainda lhe liga por vezes, mas até agora não teve de voltar.
À saída da região de Donetsk, Gregory vai olhando pela janela e pelo retrovisor, e acompanha com o olhar as colunas que transportam milhares de militares e veículos pesados para Bakhmut, o ponto mais crítico, e Kramatorsk, Chasiv Yar e Sloviansk, onde se vai concentrar a defesa ucraniana se Bakhmut cair.
"Quero que o meu país vença e sei que ele vai vencer, mas também sei o que isso vai custar: imensas vidas, de todos os lados. Ninguém ganha numa guerra", conclui.
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