Nelson Mandela: O pai da África do Sul democrática

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Esteve 27 anos na prisão e apenas cinco no poder, mas foi precisamente entre a libertação e a eleição que Mandela fez história ao dialogar, ao perdoar e ao segurar um país à beira do abismo.

Nascido a 1918 na província do Cabo Oriental, no seio de uma importante família de língua xhosa, Nelson Mandela veio ao mundo como Rolihlahla Mandela. Foi um professor da primária que lhe deu o nome inglês Nelson, mas quem lhe era mais próximo conhecia-o por Madiba. Órfão prematuro, foi criado por um chefe tribal thembu.

Aderiu ao Congresso Nacional Africano (ANC) em 1944, onde fundou e liderou a ala juvenil. Casou nesse ano com a primeira mulher, Evelyn Mase, com quem teve quatro filhos antes do divórcio em 1958, quando casou com Winnie Madikizela (teria uma terceira mulher, a moçambicana Graça Machel, décadas mais tarde). Pelo meio, formou-se em Direito e abriu um escritório de advocacia em Joanesburgo. Foi com o sócio e antigo colega de curso Oliver Tambo, futuro líder do ANC, que se embrenhou na luta contra o apartheid, o sistema de separação racial vigente pela liderança branca da África do Sul.

Em 1960, quando o ANC é ilegalizado, torna-se líder da ala militar do partido. Após uma campanha de luta armada iniciada em represália pelo massacre de Sharpville (69 manifestantes negros mortos pela polícia), Mandela é condenado em 1964 a prisão perpétua por crimes de traição e sabotagem. Passa 27 anos na cadeia – 18 na ilha-prisão de Robben, ao largo da Cidade do Cabo. Lá, estuda por correspondência na Universidade de Londres e forma e influencia outros tantos dirigentes da resistência com quem partilharia a cela. É atrás das grades que consolida a sua liderança.

Em 1985, o Presidente P.W. Botha oferece-lhe a liberdade em troca de uma condenação categórica e inequívoca da luta armada contra o apartheid. Mandela pede a legalização da oposição, os dois lados não chegam a acordo e o dirigente do ANC permanece na prisão. Em 1989, Botha adoece, é substituído pelo reformista Frederik Willem de Klerk e, também devido à crescente pressão da comunidade internacional e ao isolamento da África do Sul racista, a libertação de Mandela é anunciada no ano seguinte.

Fevereiro de 1990 é um mês histórico. O ANC e várias forças da oposição são legalizadas e Mandela é libertado da prisão. A saída é filmada e transmitida em directo pela televisão para o mundo inteiro. Mandela regressa à presidência do ANC e conduz negociações que levam à realização de eleições livres em 1994. Um ano antes, em 1993, a sua intervenção foi determinante para evitar um banho de sangue após o assassínio do camarada Chris Hani. Este período vale a Mandela e De Klerk o Nobel da Paz de 1993.

Chega à presidência após uma vitória eleitoral esmagadora e implementa uma série de reformas que visam reduzir o fosso entre negros e brancos: cria um serviço universal de saúde gratuito, investe em habitação social e na educação pública - o ensino não era obrigatório para as crianças negras até então.

Mandela chegou ao poder tarde, com 75 anos. Debilitado, decidiu não concorrer a um segundo mandato – um acto revolucionário num continente habituado à perpetuação das lideranças. Deixou a presidência em 1999, sendo sucedido por Thabo Mbeki, mas manteve-se como referência moral de uma nação onde, no entanto, são cada vez mais visíveis as imperfeições da transição democrática. A criminalidade atinge índices explosivos e afecta todas as classes e etnias. A desigualdade social e racial persiste e multiplicam-se os linchamentos xenófobos de imigrantes. O populismo e corrupção de uma elite dirigente que ficou aquém do exemplo do líder histórico mancha o ANC, com heróis anti-apartheid como Desmond Tutu a distanciarem-se publicamente do partido.

Mandela, contudo, conservou a sua influência e nunca deixou de a utilizar em prol de causas sociais. A campanha contra o HIV fez distanciar-se de camaradas que perpetuavam perigosos mitos e tabus sobre a sida. Em 2005, depois de ter sido anunciada a morte por pneumonia do filho Makgatho, Mandela fez questão de revelar que a sida tinha sido a verdadeira causa do óbito. "Vamos dar a devida publicidade à sida em vez de escondê-la. A única forma de conferir normalidade a esta doença, como a tuberculose ou o cancro, é sermos honestos e dizermos que alguém morreu de sida. Deste modo, as pessoas vão deixar de encarar a sida como algo extraordinário", disse após perder o filho.

Também trabalhou nos grandes palcos e nos bastidores pela promoção da imagem do país no exterior, tendo sido um dos responsáveis pela atribuição à África do Sul da organização do Mundial de Futebol de 2010. Além-fronteiras, mediou negociações de paz e deu a cara a campanhas internacionais de combate à pobreza.

Os últimos meses da vida de Mandela foram menos felizes. Física e intelectualmente debilitado, não terá tido consciência da luta que se desenhou entre familiares e amigos pelo controlo de parte da sua fortuna. Em Abril, as filhas Makaziwe e Zenani avançaram para tribunal para requerer a posse de fundos de investimento do pai estimados em cerca de um milhão de euros e que se encontravam à data sob controlo dos camaradas do ANC George Bizos e Tokyo Sexwale. Estes, no entanto, garantem que foram nomeados pelo próprio Mandela como gestores daquelas contas.

Em Maio, a guerra entre as filhas de Mandela e os barões do ANC conheceu um novo capítulo quando dirigentes do partido e membros do Governo filmaram e fotografaram o ancião sem autorização da família. As imagens divulgadas mostraram um Mandela confuso e indisposto, sem reacção aos pedidos de um sorriso para os velhos camaradas.

Diagnosticado com cancro na próstata em 2001, Mandela abandonou a vida pública em 2004, aos 85 anos, e desde então foram raras as ocasiões em que foi visto e fotografado. Desde 2011 que lutava contra uma infecção pulmonar recorrente - e também contra repetidos rumores sobre a sua morte. Ela chegaria aos 95 anos, depois de dois internamentos anteriores, em Dezembro de 2012 e Março deste ano.

O anúncio da morte de Madiba foi feito pelo actual Presidente da África do Sul, Jacob Zuma. “A nação amará sempre o líder da luta contra o Apartheid. O que tornava Mandela grande era precisamente o que o tornava humano. Víamos nele o que procurávamos em nós próprios”, declarou o actual líder sul-africano.

Será concedido um funeral com honras de Estado ao primeiro Presidente negro da África do Sul.

pedro.guerreiro@sol.pt
 
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